sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

CONTO EU, NO MEU TEMPO!



Final de ano, encontro-me distante. Sentidos sem conexão, buscando ao redor energia para superar a pane em flashes. Numa agitada praça, percorro espaços querendo o íntimo.
Formatos e movimentos, novos uns, novamente outros, misturam-se a um guerreiro verde, elevado por caules em folhas ou rastejante em gramados. Nada, além de mim, está imóvel e solitário na praça.
Um casal de idosos caminha de mãos dadas; uma mulher falando ao celular puxa numa coleira um cachorro ou cadela, nem sei, pois tantos eram os adereços e poucas eram as partes à mostra; uma pessoa conversando ao celular caminha com outra também ao celular; duas pessoas juntinhas e sentadas, mas conquistadas por conexões virtuais; um ciclista envolve a bicicleta com um cadeado; crianças exploram brinquedos de ferros e madeira e os gritos, risadas e choros testam os sentidos dos pais e mães; um pequeno grupo define espaço com panos no chão, comidas e bebidas em caixas e solos de violão; uma pessoa grita por outra; um gato corre atrás de outro e um cansado cachorro se espreguiça no gramado. Isso tudo já é saudade. Eu, curto circuito!
Apesar do claro, o escuro me acompanha nos formatos e movimentos fora de mim. A ansiedade encurta e acelera os flashes. Pronto! Sou quase nada num turbilhão de interrupções.
O sol recolhe as cores e parte da lua começa a chamar estrelas. Os formatos e movimentos continuam, pois não os deixo sair do que ainda tenho como imagem de ação. Novos uns, novamente outros. Não quero, mas o sentido que me deu origem mudou, e antes do fechamento da praça, deixo de ser sem despedidas.
Reergui-me junto com o amanhecer! Sinto-me diferente. Está tudo claro, sem a intromissão do escuro. Olhei ao redor. Mantive silêncio, mas a praça já era movimento dos visitantes. Novos uns, novamente outros.
Aproxima-se o casal de idosos. Caminham e juntos são cúmplices da solidão de possuírem família que não os têm; o cachorro/cadela que, com repletos adereços, desfila em quatro patas a agonia do carinho imposto pela dona mãe; conversas infinitas entre pessoas juntas, mas afastadas por celulares; ciclistas envolvem em cadeados diversos bicicletas para impedir que outras pessoas as façam sumir; crianças buscando atenção dos pais e mães em arriscadas brincadeiras; risos e canções de um grupo em piquenique nem sempre são finalizados com ausência de choros e violência; gritos nem sempre felizes; animais descansam na praça dos riscos das ruas. Isso tudo e muito mais para o bem ou para o mal apenas seguem. Eu, renovado? Por quê?
O ser humano é uma estrutura mutável e por assim ser o passado se torna provocação do futuro que o presente planeja, perseguindo o perfeito numa versão presa no insuficiente e/ou decadente.
O homem se espelha no bem e se desafia no mal, ou será o contrário? O fato é que venho como solução humana e assim condenado a dar luz num escuro público natural.  
Pois então, sou assim, uma versão renovada e sustentável de mim. Uma cria humana, desligada de cabos emaranhados, mas fincado no solo, para ser a energia sol de um painel, doando luz ao que é e ao que será, num ano que não me fez fim, seja para o bem ou para o mal, conto EU, no meu tempo!

Adriane Morais

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