segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Depressão do Pinguim de Geladeira

Valores. Não, não vou repetir essa coisa de que alguns valores de hoje são divergentes daqueles de tempos idos, e por tal motivo vários aspectos de nossas vidas estão em desencaixe. Não! Simplesmente acredito na evolução das ideias e num repensar de diversos dogmas, e alguns argumentos que se contrapõem a essa crença, numa espécie de devaneio, associo a um eufemismo: depressão do pingüim de geladeira. Minhas avaliações são estranhas até para mim, mas...sigamos.
Viver na condição de não alterarmos o status quo por estarmos conformados ou simplesmente por que desconfiamos do novo, faz parte da inércia de vários. E tal inércia, como já está consolidada em vários aspectos e há anos...não! Décadas...não! Séculos...ah! é melhor não tentar limitar...perpetua-se em maciços e fortes defensores que atuam em indefinidos segmentos, e o know how em anular o indesejável  se torna cada vez mais proporcional à praticidade de permanecermos quietos, na moita do não querermos envolvimento, do não querermos dar força a algo que renasça e contradiga o que aí está acatado.
Assim, fico feliz ao enxergar algumas sensíveis mudanças concorrerem com a descrença. Refiro-me ao fazer diferente de algumas pessoas, contra-argumentando o antes e evoluindo no possível e adequado, independentemente de holofotes ou do auto-marketing. É apenas um pensamento solto à reflexão.
Sobre a depressão do pinguim de geladeira. Humm! Há um forte argumento de que a colocação do pinguim sobre tal eletrodoméstico tinha um valor comercial agregado. Nos anos de 1950, os modelos dos refrigeradores eram bem arcaicos, lembravam armários de cozinha. Daí, para diferenciá-los de tais móveis, uma marca americana apostou na figura do pinguim para a divulgação e venda da então geladeira troglodita. Sabem como é: pinguim...geleiras. A idéia deu tão certa e cativou tanto os compradores, que havia gente que se tornava cliente da então empresa e adquiria o gelado armário, digo refrigerador, só por causa da figura de cerâmica em forma de pingüim. Pode?!
Os anos se passaram. A forma dos tais refrigeradores evoluiu. A marca americana que desenvolveu a idéia com a ave nadadora foi adquirida por outra empresa. O pinguim de cerâmica se transformou numa coisa démodé, ultrapassada. Sua utilização representava cafonice. Enterra-se o tal artigo de impulsão de vendas numa depressão comercial.
Os anos se passaram. Os valores sobre o significado e entendimento do que representa démodé...antigo...ultrapassado, são alterados. A máquina de costura, aquela com base de ferro, centenária, movida a manivela, esquecida e abandonada, torna-se um belo artigo retrô para decoração, e nesse saudoso caminho desfilam: telefones de disco; radiolas, LPs ou bolachões; roupas; sapatos; cortes de cabelos etc. Retrô! Graças a essa palavra e na força dos que acreditaram no enaltecimento do velho numa linha de arte, eis que retorna...quem?...quem? o pinguim de geladeira. Repaginado. Fashion. Vários são os personagens: roqueiro, surfista, intelectual, tímido, clássico, ousado, natalino ou até indecifrável.
Pois é! Esse é o meu devaneio ou um eufemismo para a radicalização do que deve ser permanente e, portanto, consolidado como inalterável. Valores, nós os criamos, nós os viabilizamos, nós os conduzimos ou os repensamos. A conveniência, interesse, crença e ações são os pilares do que se quer ou não associado a nós. A propósito, ainda não tenho um pinguim de geladeira, mas tenho uma coruja.

sábado, 7 de janeiro de 2012

ALGO MAIS



Trata-se de uma história ambientada em uma oficina de artesanato, com visual rústico e simples, centralizando-se em um personagem. Na abordagem do tema, trazem-se à tona as dificuldades em se enfrentar a dor de uma perda de uma pessoa querida/companheira, apesar da suavidade, pureza e imortalidade da arte.




“ALGO MAIS”


POR



ADRIANE MORAIS









2011 by Adriane Morais                drica2005.morais@gmail.com.br
Todos os direitos reservados.

FADE IN
INT. OFICINA DE BARRO DE BARDEN - TARDE
BARDEN, 74 anos, cabelos lisos e completamente grisalhos, barba crescida e grisalha, postura curvada, está sentado numa velha banqueta, localizada num quarto anexo à sua casa, que assume a função de oficina do barro. Essa oficina é cheia de prateleiras de madeira presas em paredes que não receberam acabamento, deixando de fora os tijolos e o cimento rústico que os une. Em várias prateleiras são vistas peças em barro. Potes, panelas, bonecos, pratos, animais místicos etc. Todos levam a assinatura do mestre Barden.
Barden levanta com dificuldades da banqueta, caminha até uma das prateleiras e pega uma porção de argila que estava embalada em um plástico tipo filme. Barden retira o plástico, coloca a argila numa mesa de superfície bem lisa e começa a amassar, após alguns minutos, Barden para de mexer com o barro. Caminha até a banqueta, senta-se com dificuldades, olha ao redor do quarto. Fixa o olhar em uma peça de barro em particular, o rosto de uma mulher.
CLOSE UP - PEÇA DE BARRO - ROSTO DE UMA MULHER
EM FLASH BACK
Barden mais jovem em sua oficina dá forma de um rosto feminino a uma porção de argila.
GLÓRIA, uma jovem mulher, cabelos negros, longos e encaracolados, altura mediana, magra, abre a porta da oficina.
GLÓRIA
Amor, você não vem comer?
BARDEN
Num momento como esse, de pura
criação, a fome não bate, mulher.
GLÓRIA
Ah! a comida vai esfriar, depois
não reclama!
Glória se aproxima da peça de barro e reconhece seu rosto na modelagem criada por Barden.


GLÓRIA (cont’d)
Barden, não acredito, essa sou eu?
BARDEN
Essa é minha obra-prima. A fonte de
minha inspiração.
Barden se afasta um pouco da peça recém criada. Olha para Glória e para a peça. (sorrindo)
BARDEN (cont’d)
Isso aqui é só um pouquinho de sua
beleza. Essa não tem preço.
Barden se aproxima de Glória e a abraça, melando-a um pouco no rosto com o barro ainda em suas mãos.
GLÓRIA
Barden! não faz isso.
VOLTA À CENA
BARDEN (v.o)
Que saudades! Dois anos que se
transformaram num martírio. Glória, minha inspiração,
minha alegria,minha força, minha vida...
INSERT PORTA DE ENTRADA DA OFICINA
A porta se abre lentamente. Entra na oficina o neto de Barden. LUCAS, 7 anos, cheio de sardas no rosto, cabelos lisos e castanhos, vestido com a farda do colégio e com uma mochila nas costas, corre ao encontro de Barden.
LUCAS
Vovô! vovô! olha o que eu fiz.
Barden pega das mãos do neto uma peça de barro. Olha cada detalhe. Vira a peça de um lado e de outro.
BARDEN
Parabéns! É uma cadeira bem diferente.
LUCAS
Não, vovô, isso é o meu cachorro!
BARDEN
É mesmo! esqueci de olhar esse outro lado. Hum! você tá melhorando!
LUCAS
Também tô achando. Vovô, você vai voltar a
fazer peças? o barro tá na mesa! vai voltar?
Barden olha para o neto e em seguida para a porção de argila que tinha colocado em cima da mesa.
BARDEN
Ainda não sei, Lucas. Acho que não sei
mais fazer nada!
LUCAS
É por causa da morte da vovó? Escutei
mamãe falando com papai que senhor só vive
triste depois que vovó foi pro céu.
Barden se contorce na banqueta, passa as mãos nos cabelos, tenta disfarçar algumas lágrimas que surgem em seus olhos.
BARDEN
Lucas, é feio escutar conversas de adulto.
LUCAS
Mas foi sem querer, vovô.
BARDEN
Mesmo assim!
LUCAS
Vovô?
BARDEN
Que foi, Lucas.
LUCAS
Se o senhor voltar a fazer peças, me ensina
a melhorar o meu cachorro? acho difícil
fazer as pernas, o rabo, a cabeça, o pescoço,
a boca e as orelhas.
BARDEN
E o que você acha fácil?
LUCAS
Só a barriga. É só pegar o barro e amassar,
meter murro e meter murro. Muito fácil.


BARDEN
Jamais pense assim, Lucas. O barro para se
tranformar numa peça tem que ser
tratado com muito carinho.
Barden se levanta com dificuldades da banqueta e se dirige à mesa que está com a argila em cima. Lucas o segue. Barden mexe na argila.
BARDEN (cont’d)
Veja! você tem que saber quando
o barro está pronto para ser transformado
numa criação sua.
LUCAS
Isso eu sei! Quando tiver mole
por fora e dura por dentro é a hora.
BARDEN
Quem lhe disse isso?
LUCAS
Meu professor na aula de artes.
BARDEN
E vocês mexem com barro?
LUCAS
Não! é com a massa da escola,
mas meu professor disse que
era mesma coisa do barro.
BARDEN
Seu professor não entende de barro!
LUCAS
Vovôôôôô, ele é professor.
BARDEN
Que não entende de barro.
Venha que eu lhe mostro.
Durante alguns minutos, Barden fala ao neto sobre a preparação da argila. Lucas fica imóvel e não perde nenhum detalhe das explicações do avô.
INSERT – PORTA DE ENTRADA DA OFICINA
Abre a porta a filha de Barden, LAURA, estatura mediana, cabelos no ombro, negros e encaracolados, 30 anos.



LAURA
Não acredito no que estou vendo.
Lucas, você conseguiu fazer seu avô
pegar em barro novamente?
Laura se aproxima de Barden e de Lucas, que estão mexendo na argila. Laura beija a cabeça do pai e pega Lucas nos braços, beijando seu rosto.
LUCAS
Vovô tá me mostrando como eu tenho
que fazer com a massa para meu
CACHORRO ficar melhor.
LAURA
Que bom, filho! O que você me diz de
ficar com seu avô, se ele puder,
todos os dias após as aulas? Eu viria lhe pegar
no final da tarde, quando sair do trabalho.
LUCAS
Eba! Vovô, você pode?
Barden caminha para a banqueta para se sentar. Lucas desce dos braços da mãe e se aproxima de Barden.
LUCAS (cont’d)
Vovô, você pode?
BARDEN
Não sei, Lucas.
LUCAS
Vovô, é só para eu fazer um
cachorro melhor. Vai...vai...
BARDEN
Tá certo, mas se não prestar atenção, eu desisto.
LUCAS
Oxe! vou aprender tudinho.
Lucas abraça o avô. Barden retribui. Laura se aproxima dos dois.
LAURA
Lucas, vamos embora, você já abusou
muito do seu avô por hoje.
Laura beija o pai e se despede. Pega Lucas pelas mãos e caminha para a porta. Lucas vira para trás e acena para o avô.
Barden se levanta da banqueta, olha pela janela os dois se afastarem. Depois volta à mesa em que está a argila, olha para a prateleira em que está a peça do rosto de Glória e começa a chorar. Ao voltar o olhar para a mesa em que está a argila, Barden vê a peça de barro criada pelo neto.
POV DE BARDEN
Peça de barro criada por Lucas em cima da mesa, próxima à argila.
VOLTA À CENA
BARDEN
Um cachorro! um cachorro.
Barden ensaia um riso, depois caminha com dificuldades até a porta e sai do quarto. A porta se fecha.
EFEITO:
A cena vai fechando na peça de barro criada por Lucas.
Sobem os créditos finais.
FADE OUT/FIM.