Um
dia como os demais. Sol de torrar o quengo. A terra desafiando sobrevivência.
Água? Nem em lágrimas!
Romi,
abreviatura do nome Romelenilson, resultado de diversas fusões de nomes
admirados pelos pais, acorda com os sopros de ventos numa vegetação para lá de
esturricada. O magrelo menino de 11 anos, de cabelos sujos, acomodados e
grudados na cabeça, pelas limitações de água, enxerga do espaço que deveria ser
ocupado por uma porta, a sua mãe fazer mágicas para preencher as poucas panelas
sobre um fogão, que de tão remendado, as chamas só aconteciam por causa da
junção do bafo de calor da terra, com a faísca do fósforo. Nesse particular,
Romi já sabia de algumas histórias: mortes no alto sertão pernambucano
envolvendo alguns sertanejos afeiçoados à pinga, cujos retumbantes arrotos,
quando misturados ao bafo da terra, transformavam-se em vestígios de carne seca
a adubar o solo pedregoso.
-
Romelenilson, cadê teu afazê? Uma voz vinda detrás de uma das paredes
rebocadas por barro, sustentadas por madeira e endurecida pelo contato com um
solo que torra qualquer pensamento, devolve-lhe à sua rotina diária. Romi se
despede de sua mãe, Antonia, e segue estrada afora, a caminho da escola.
A
paisagem do caminho, Romi vai inventando. Faz o bonito do feio, pois, na sua mente, colore o
cinza da seca, característica que lhe faz dono de uma imaginação abundante,
cujas confusões enfrentadas por ele não são poucas, já que nem sempre descarta
o imaginário, tornando-o fato concreto e presente.
Pois
bem! Quase chegando à escola, Romi vê uma pedra diferente e interessante. Cheia
de cores. E no retorno à terra cinza, aquela pedra se destacava. Rapidamente
Romi a resgata e a passa em sua roupa, a fim de deixá-la bem limpinha, e a
guarda no bolso da calça.
Na
sala de aula, a professora lhe chama a atenção! Novamente atrasado, Romi? Qual é
a sua história de hoje?
- Professora, pra hoje num tem nada
não. A barriga ainda ronca, deixando a mente sem solução. Acho que minha agonia
tá tanta, que algum anjo me jogou um presente.
E em seguida, Romi saca do bolso a tal
pedra reluzente. Na sala de aula, todos ficam curiosos. Até que alguém troca as
repetidas exclamações, pela seguinte questão:
- Romi, esse presente dá comida? Faz
chover? Dá dinheiro?
Rapidamente, Romi responde:
- Ainda num sei, mas que a bicha é
bunita demais pra ser pedra, vixe, isso é!
A professora retoma a aula. Todos voltam
ao seu lugar. Quanto a Romi, com a pedra sobre a banca, não para de divagar.
Hora do intervalo. A merenda é a de sempre: uma sopa, cujos ingredientes
desafiam a compreensão de que possa haver algum sabor. Num cantinho, rodeado
por outras crianças, Romi afirma que, quem olhar para a pedra com fé, sentirá o
sabor do mais arretado feijão com charque e jerimum. Expõe a pedra sobre a
mesa. Todos a fixam e, imediatamente, colocam uma colherada de sopa na boca.
Não demora muito e os comentários, entre tosses e risadas, começam a sair.
- Rapaz! A sopa piorou. A buniteza da
pedra não funcionou.
Todos começam a mangar de Romi.
Chateado, levanta-se e vai comer em outro lugar. Até o final do dia
escolar, Romi não fala mais sobre a pedra colorida.
No caminho de volta para casa, com a
pedra resolve dialogar, perguntando sobre o porquê das cores, num lugar em que
cores não há. E assim sem nenhuma explicação, a pedra começa a esquentar. Assustado,
Romi solta a pedra. Olhando de longe, resolve retrucar.
- Afff! Se tanta buniteza é só pra mais sol
chamar, por favor, sua pedra, volte pro seu lugar.
A pedra começa a brilhar! Romi não sabe
se corre, ou se continua a olhar... e a pedra continua a brilhar. Romi chega
mais perto e num movimento brusco a aperta em sua mão:
- Ô sua pedra, pra que serve sua
buniteza? Veja, aqui não há serventia, a num sê que faça a terra melhorar o dia
e a noite um momento de alegria.
E no aperto da mão de Romi, a pedra o
transporta para outro lugar!
- Affff, sua pedra, não precisava
exagerar. Onde tô? Pra que lado caminhar? Tô vendo tanta coisa, tanta gente,
cadê mainha? Cadê painho?
Romi solta a pedra e no cinza volta a se
encontrar.
- Ahh! É assim... gosta é de um acocho,
né?
E a pedra Romi volta a apertar e
novamente se vê em outro lugar. Nos objetos, Romi tenta tocar, mas nada era
real, apenas desapareciam como fumaça, surgindo outra coisa... Ah! Pedra cheia
de graça!
Repentinamente, Romi vê umas pessoas
que, com olhos arregalados, ele diz reconhecer. Ele pula para ser visto e apertando
mais ainda a pedra, exclama:
- Mainha? Painho? Tô aqui óia! E
na proximidade exagerada, como quem parte para um abraço, Romi acaba com o vento
nos braços. - Vixe! Pera aí sua pedra...deixa eu pegar neles! A imagem
dos pais retorna, mas Romi percebe nos pais, que a pedra lhes deu alguns anos a
mais.
- Pedra, deixa de brincadeira, já é
muito o engilhamento da pele por causa do sol de lascar, tu inda vem colocar
cabelos brancos nos meus pais pra piorar?
Romi, sabendo que não poderia pegar nas
imagens, fica só a observar.
-
Vixe! Num é que apesar dos cabelos brancos, mainha e painho tão arrumados?
Que roupa chique! Afff! A casa tá diferente. Sua pedra, eu até comecei a gostar
do que a senhora traz pra gente!
Mais adiante, um cabra aproxima-se dos
pais de Romi. Aparentava uns vinte anos ou um pouquinho mais, e num sobressalto,
Romi exclama:
-
Rapaz! Num tô acreditando, mas num é que sou eu? Cheinho e crescidinho.
Segue sua pedra, mostra mais eu. Ixe! Olha o cabelo, nem parece! Todo arrumado...
menino! Acho que essa pedra tá mostrando que milagre acontece!
E as imagens seguem mudando. Eita!
Mainha e painho tão me chamando de dotor Romelenilson. Aqui tenho uma
reclamação: sua pedra, bem que podia dá uma mexidinha no meu nome. Sei lá, uma
coisa menos infeitada... mior não! Deixa pra lá, né? Acho que mainha pode não
gostar. Ixe! Só de me vê dotor, deu até vontade de gritar!
As imagens se alteram mais e Romi
percebe que a terra em que moravam também estava diferente. Eita! Pia só quanto verde! E as vaquinhas?
Noooosssaaa, um bando de vacão! Sua pedra, desse jeito dessa mentira num quero
sair mais não. A pedra esquenta, Romi a solta no chão e para o cinza, como
num passe de mágica, a realidade se apresenta. Ixe! Ficou arretada foi? Fique
não... né sua mentira não, agora fica fria e deixa eu ter mais emoção.
Romi volta a pegar a pedra e percebe que
o seu colorido está desaparecendo. Eita sua pedra, já pedi desculpas, fica
feia não. Romi passa a pedra na roupa e vê que as cores da pedra no cinza
estão. Afff! Que é isso? Romi mexe a pedra de todo jeito, mas para o
colorido nada feito.
No desencadear dos acontecimentos, Romi,
hora após hora, dia após dia, ano após ano, tentou do cinza da pedra trazer o
colorido nos tempos, entretanto a pedra não se alterava e as imagens de antes
só ficaram marcadas em seus pensamentos. Assim, num movimento raivoso, Romi
arremessou a tal pedra para bem distante, para que ela se juntasse às outras naquele
solo secamente pedregoso. Continuando no tempo, Romi atinge a maioridade
e para cidade grande, o destino lhe encaminhou e nos estudos sobre as riquezas
da terra ele se dedicou. E assim, engenheiro agrônomo doutor se tornou.
Eita! Num é que é o Dotor Romelenilson!
Ao retornar a sua casa e reencontrar seus pais, recordou que quando criança,
certa pedra colorida, essa imagem lhe revelou. Os cabelos brancos dos pais, a
casa aconchegante, porém o cinza da terra pouco se alterou. Com lágrimas nos
olhos, entendeu a mensagem daquela mágica pedra que no seu caminho se intrometeu:
o abandono das terras cinza pelos homens, cujos motivos são os mais diversos,
para o colorido do interesse de outros homens em fazê-las promissoras. Romi fala alto: - Ah! foi para isso que o futuro
me antecipou. Para trazer cores às terras, que o cinza sozinho se apoderou.
-
Quer saber da mágica pedra? Ela tá bem aí, tá vendo não? Aff! Se não
imaginar, tem jeito não.
Adriane Morais
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